O violonista Horondino José da Silva, conhecido como Dino Sete Cordas, morreu na madrugada de ontem, aos 88 anos, em conseqüência de uma pneumonia. O músico estava internado no hospital público do Andaraí, na zona norte do Rio.
Nascido no bairro do Santo Cristo, subúrbio do Rio, Horondino Silva ganhou seu apelido em 1954, quando mandou fazer seu primeiro violão de sete cordas, com o qual se tornaria um dos principais instrumentistas do país.
Na década de 1960, juntou-se ao célebre conjunto Época de Ouro -criado em 1966 por Jacob do Bandolim e César Faria, pai de Paulinho da Viola. Como produtor, trabalhou ao lado de Noel Rosa e Pixinguinha. Foi ainda responsável por arranjos e regência de muitos discos célebres, entre os quais os dois primeiros álbuns de Cartola (1974-1975). Da Folha de S. Paulo, 29/05/06
Pois é Dino, nao é de hoje que choro por tua causa. Lembro-me do misto de assombro e encantamento que tive quando, lá pelos meus 15 anos, coloquei aquele disco capa preta da minha mae, com um senhor negro de óculos escuros, numa tarde perdida de estudante. Uma das caixas de som do nosso "3 em 1" já nao funcionava muito bem, e como a equalizaçao se dividia entre as duas caixas, às vezes a voz desgastada do cantor (era Cartola), sumia de repente. A caixa da direita, que continuava tinindo, destacava todo o acompanhamento do regional, e acima dele regia um solo de baixos, que era uma música à parte pros meus ouvidos. Desde entao, venho chorando por ti.
Larguei as revistinhas da Shop Music, as músicas do caderno de tablatura que meu irmao passava os acordes (e que eu assumia, quando ele nao estava mais tocando seu violao), e nao queria saber só mais do Legiao Urbana, REM, Guns n'Roses, Dire Straits e Beatles. Eu queria, definitivamente, fazer o que aquela caixa direita do "3 em 1" fazia. Queria tocar aquele negócio. Nessa época decorei esse disco, mas assobiava as frases de baixo do 7 cordas, antes de saber das letras, que falhavam na voz cansada do cantor.
Chorei por tua causa desde que descobri que você era aquele cara que inventou o violao que meu professor de violao tocava (esse merece outro texto só dele, o também saudoso Zezinho do Império, ou Zezinho 7 cordas, meu mestre particular).
Chorei por tua causa também desde que descobri que Raphael Rabello, outro gênio das 7 cordas, que também se foi tao prematuramente, na sua adolescência se vestia igual a você, e tinha até um anel no mesmo dedo, para ver se conseguia tomar um pouco de sua maestria.
Falando em Raphael Rabello, ele realmente pegou um pouco da sua magia, e depois lançou um disco antológico contigo, o "Raphael Rabello e Dino 7 cordas", que senao o melhor, é um dos melhores discos de música popular instrumental brasileira. Duos de violoes, baixarias, arranjos ótimos. Perfeiçao.
Chorei por tua causa na primeira vez que te vi ao vivo, logo na primeira noite de uma das minhas primeiras viagens ao Rio, acompanhado do meu irmao (estávamos hospedados no albergue de Botafogo), e vimos em plena 5a feira de noite, chuvosa, você tocando numa mesa de samba, com o pai do Paulinho, o seu filho Dininho, Déo Rian, Henrique Cazes, e mais outros bambas, em plena rua, só pelo prazer de tocar (Cobal Humaitá). Como chorei com meus olhos, cabeça e ouvidos naquela noite chuvosa!
Chorei por tua causa, quando também fui te conhecer, já há alguns anos, depois de uma apresentaçao do seu Conjunto Época de Ouro, lá no Sesc Belenzinho, com meu irmao Laio. Lembro que você, já oitentao, era o último do palco depois do show, e enquanto enrolava os cabos dos microfones, e guardava o seu violao na caixa, fiquei gritando: "Dino! Dinooo!", até que você, que nao estava nada surdo, gritou "Peraê!!!", e entrou pra dentro da coxia. Pensei que tinha sido incoveniente ao extremo com o meu inspirador, que na minha opiniao, naquele momento nao tinha recebido tantas palmas quanto merecia, depois de acompanhar no Bis do show seguinte - o da Beth Carvalho (ela que, aplaudidíssima, nao chega a ter na cúticula do pé esquerdo, a mesma história e mesmo talento que você na música brasileira).
Para minha surpresa voce apareceu uns segundos depois, do palco, e desceu até nós, para bater um papo. Falei que queria o CD que tinha trazido autografado (o dele com Raphael Rabello), o que você fez com maior prazer (se igualando ao caso do Lévi-Strauss. Sem medo de errar, o Dino 7 cordas está para os violonistas assim como o Lévi-Strauss está para os cientistas sociais). Também falei como seria importante que você lançasse e organizasse um método seu de violao de 7 cordas para os seus futuros discípulos, o que você achou boa idéia (e que pelo que eu saiba, nao teve tempo de fazer-ficamos com sua obra).
Chorei por tua causa ao tocar os meus primeiros choros, maxixes, sambas, marcha-ranchos (o que você cansou de fazer com o seu parceiro Meira, igualmente grande, professor de ninguém mais, ninguém menos do que Baden Powell, e também do já citado Raphael Rabello).
Chorei por tua causa quando, ao ganhar meu primeiro salário (grudando cartazes nas faculdades que estudava), fui na fábrica da Di Giorgio e comprei o meu próprio violao de 7 cordas, onde tento fazer minhas próprias baixarias, desde entao.
Choro por tua causa a cada vez que pego na viola, e até mesmo ao dar o título para esse blog que ninguém lê.
Mas hoje Dino, no dia da sua morte, me toma uma imensa tristeza com a sua partida. Justamente porque hoje, Dino, o choro acabou.
PS: A foto de cima da esquerda é minha, em 2002 - Comunidade Hippie/Nova York (dá pra uma outra história). A da direita é ele mesmo. Outra coisa: há uma tese de mestrado sobre o Dino 7 cordas, que é muito boa. Quem quiser, eu posso mandar.
5 comentários:
mano,
do dino não tenho muito o que falar,
vc disse tudo, vai pro céu sem escala, só de aguentar uns maninho q nem vc berrando nas orelhas desgastadas dele já valeu!
do mais é aquilo, fui hoje na despedida de um casal de amigos que tá indo pra Bolonha (teve o prazer?) por isso disse pra ju, se formos passar um tempo fora teremos que ir para o Camboja, senão não terá o menor impacto!
fui
amor, nao preciso nem falar que chorei lendo o seu blog, né?!
te amo
Putz, esse disco é fantástico mesmo. sem sombra de dúvids entra pros 10 melhores discos de todos os tempos da musica brasileira.
quanto ao Dino, foi uma perda tremenda mesmo. Mas não fique triste pela sua morte, o Dino deixou sua mensagem, muita coisa gravada e ja tem muita gente boa que surgiu sob sua influência. Ele plantou suas sementinhas na terra, e ja tem muita coisa florescendo!!
Grande Abraço
Marina quis o endereço do seu blog, e quando vim copiar para ela me deparei com esse lindo texto sobre o Dino, valeu... aliás, valeu a cópia do disco cujos acordes têm também acompanhado minhas escritas solitárias. Um abraço. Kelly.
Eu também leio esse "blog que ninguém lê". Eu também chorei.
Beijos do irmão aqui.
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