sexta-feira, janeiro 13
Pra não dizer que não falei da USP
Bom, tentei resistir ao máximo em falar sobre a situação da minha querida Universidade de São Paulo. Devo bons anos da minha vida, lições excelentes de suas aulas e muitas caraminholas que ficaram soltas na minha cabeça. Devo dizer que mais do que construir, a Faculdade de Ciências Sociais fez com que eu descontruisse, além do mundo à minha volta, principalmente a minha visão.
Agora chego ontem em casa, vou ler meus emails e vejo uma notícia com um vídeo de policiais militares entrando no DCE e um idiota de um guardinha barrigudo dar uns pescotapas em um estudante que tava lá.
Sei que tem muito cara folgado, estudante querendo fazer farra com a situação, mas devo admitir a coragem desses caras, injustiçados por esta mídia brasileira, que tantos arrepios me causa, sempre disseminando o que há de mais conservador.
Enfim, posso retomar aqui um papo que tive com um amigo engenheiro (e além do mais, fez engenharia em uma das mais célebres instituições privadas de engenharia de São Paulo). Meio tirando sarro esse meu amigo comentava sobre o meu cabelo, a minha calça de moletom, minha camisa hering furada no ombro e minha sandália de couro dos sábados. Ao final me perguntou: só faltava você ser a favor daquele bando de estudante maconheirinho da USP que invadiu a reitoria.
E daí lhe respondi dizendo que sim. Que na verdade a coisa na USP era mais complexa do que o "Tropa de Elite" poderia explicar. Aquilo era uma discussão maior sobre o papel da Universidade em uma sociedade. E de fato a interpretação da grande mídia era muito ilustrativa do que é São Paulo (na média).
Tentei a explicar a ele que a Universidade deveria ser um espaço de formação do que a sociedade quer vir a ser e cada curso tem que preparar mais adequadamente os seus jovens para o mundo futuro, de acordo com as especificidades de sua área. Por exemplo, um estudante de engenharia tem que aprender a fazer boas pontes, estradas, carros, navios, etc..; O estudante de administração de empresas tem que saber as particularidades de um negócio; o jornalista tem que ter uma visão crítica, neutra (deveria) e saber comunicar de uma boa maneira; e os de Filosofia, Ciências Sociais e História tem o dever de pensar a sociedade, e de mudá-la pra melhor. Enquanto a maioria dos cursos de exatas e biológicas estão preocupados em construir e multiplicar o que já está dado, a ordem vigente, os de Humanas tem que desconstruir a sociedade, estão aqui para questioná-la e a partir de sua visão diferente, tem que mudá-la. E para melhor. Não estão aí para manter a ordem, e sim entender, desconstruir e propor uma nova forma melhor.
Pelo menos é isso o que acho.
Nesse sentido, a coisa que continua acontecendo lá (a de presença de Polícia Militar), além de causar arrepios para a Faculdadade que mais sofreu muito durante a ditadura militar (o prédio da Filosofia, pra quem não sabe, antes era na Maria Antônia, e foi incendiado, teve barricada com os estudantes do Mackenzie em 68), e quem saiu de lá, pra nunca mais voltar, foram os estudantes dessa Faculdade, que até hoje estão em galpões não muito melhores do que os provisórios (sim, dúvido que um grande arquiteto tenha planejado o prédio atual da Filosofia, ele é um arremedo, super frio e feio).
Enquanto o Mackenzie continua onde está, e muito bem, os estudantes das Ciências Sociais da Usp continuam num prédio feio e mal conservado pela administração.Foto da Veja, já na época desse jeito.
Mas o principal em jogo é administração da Universidade de São Paulo, pelo governo do Estado. O ex-governador teve o mérito de descumprir um costume que era uma das poucos coisas mais ou menos democráticas na USP. Me explico, sempre o governador do Estado escolhia o reitor entre uma lista tríplice de professores candidatos escolhidos pela Universidade (não, os estudantes também não podem votar para reitor, é indireto). Mas ainda assim era uma forma de não desrespeitar, tão na cara, a dita autonomia universitária.
Pois bem, o Serra (ai caramba, não gosto de citar esse nome, mas nesse caso, tenho que dar nome ao boi, ou seria burro, ou jumento, ou demo, ou palhaço?), indicou um reitor de fora da lista. Colocou um dos caras mais criticados da USP para reitor, cara que vem fazendo cagada atrás de cagada. E que além de tudo permite e apoia a entrada dos PMs na USP para lidar com os alunos.
Veja bem, quem é da USP sabe. Lá sempre foi que nem a França. Sempre teve greve, todo ano. Não que isso seja bom, mas sempre que os funcionários, alunos, pipoqueiros, sei-lá-quem não concordavam com qualquer coisa: seja com a qualidade do ensino, salário dos professores, ou não permitir que o metrô entre na USP (sim, esse reitor não permitiu isso, disse que teria gente demais!), ou que se referisse ao golpe de 64, como "revolução", tinha greve. Aí pára tudo, ocupa a reitoria, faz assembléia, chega a um acordo e a universidade segue. É o que se chama de democracia.
Daí colocar PMs para negociar as manifestações não é certo. PM tem que cuidar de segurança, não de manifestação da USP (a discussão sobre tráfico, consumo de maconha, posso fazer outra hora). E o reitor, tem que sentar com todo mundo, negociar e melhorar a Universidade (para melhorar a sociedade que se quer). Enfim, é mais ou menos isso.
Essa discussão na minha opinião é mais ampla. Estive na Cidade do México há poucos meses e passei por um bairro de lá, que eles chamam de Cidade Universitária. É onde estão todas as Faculdades, com alojamentos de estudantes, arborizado, etc. Digo isso para comentar que era um bairro, não era cercado, fazia parte da cidade! O que se está fazendo na USP é fechá-la cada vez mais! Não deixa o metrô entrar, tem muro, tem guarda pra bater nos estudantes, e tem um monte de favela do lado que não se comunica com a USP, as pessoas que pagam imposto não podem andar de bicicleta, jogar bola e fazer piquenique lá de domingo, etc. Tinha que derrubar esses muros e permitir que a Universidade seja aberta à cidade, de verdade.
Daí a minha segunda observação: uma outra forma de integrar a universidade com a sociedade é obrigar que cada estudante doe seu último ano para a sociedade. Aumenta em um ano cada curso e obrigue os estudantes formados aí a trabalharem para a comunidade durante um ano, de acordo com a sua formação. O arquiteto e sociólogo vão trabalhar na favela, o engenheiro vai construir as casas populares, jornalistas em rádios comunitárias, médicos dariam plantão nos postos de saúde, etc... Já que a Universidade faz parte do governo, integra os estudantes ao serviço público, para aprender na prática o que é esse país, aplicar seus saberes, humanizar um pouco sua visão de mundo.
Porque não?
Ao final cito aqui uma frase que me perseguiu durante os quatro anos na USP, e que resistia bravamente ao tempo. O que de fora poderia ser uma mera pichação (os engenheiros que passavam com seus carros por ali deveriam pensar isso), era uma lição que demorei pra entender o significado e guardei na cabeça e no coração. Estava pichado em vermelho, na frente do prédio da Sociais da minha época: "A não preocupação com as finalidades sociais do conhecimento produzido se constitui em fator de delinqüência acadêmica".
PS: essa era uma frase do Mauricio Tragtenberg, professor da PUC, importantíssimo cara, do texto " A delinquência acadêmica" (http://www.espacoacademico.com.br/014/14mtrag1990.htm).
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