Para Biba
Com esse puta calor aqui de Paris, solzao escaldante, pouco vento e umidade do ar muito pequena, volta e meia fico fantasiando uma piscina, um litro de água gelada. Essas coisas.
Isso me fez lembrar de uma cena apagada até então da minha memória, e que me trouxe um balde de outras lembranças. De uma época em que, com o calor também abafado do verão paulista, eu conseguia entrar no tanque de lavar roupa (grandao e feito de azulejo e cimento), e de cueca ou pelado mesmo, fazia a festa com os meus irmãos (imagine nosso tamanho para cabermos juntos num tanque de lavar roupa).
Dessa época também lembro de entrar no quartinho que tinha no fundo de um pequeno quintal de piso de azulejo hidráulico cinza e branco. No quartinho tinha um monte de caixotão antigo, com um monte de disco de 33 rotaçoes sem vitrola. Tinha um monte de fotos, papeladas, revista mad, asterix antiga, tudo super empoeirado, com uns parafusos. Do jeito que criança gosta.
Desse quintal também dava pra ver, do outro lado do muro, o antigo sobrado dos meus bisavós, que então já tinha virado um imenso cortiço. Esse foi o meu primeiro contato com esse outro lado do muro.
Lembro também da cozinha grande, com uma geladeira que parecia um avião, de um rádio antigao que ficava tocando Eli Correia, rádio América e toda manha um programa só com músicas do Rei Roberto Carlos. Esse rádio da cozinha ficava em cima de um armário cheio de gavetas legais pra brincar, tinha um broche de vassourinha da época do Jânio, umas bolas de ping-pong, barbante, papéis com coisa escrita, contas pagas, toalhinhas de mesa. Uma festa. Ainda lembro do coador de café de pano e da frigideira especial que fazia os melhores filés na chapa com fritas que já comi.
Saindo da cozinha o corredor levava a um banheiro laranjao, que tinha papel primavera e no box tinha um esfregao que servia de guitarra e microfone para os musicais na hora do banho.
No fim do corredor ficava a sala, onde fazíamos cabaninha com as cortinas e sofás, para assistir “Sítio do Picapau Amarelo” e “Sessões da Tarde”, e acima da TV antigassa tinha um cristo com um coração pulando pra fora (e mesmo assim ele parecia super calmo).
Na mesmo sala, do lado da cristaleira pontuda, cheia de vidros e cristais (e sempre com uma toalhinha de renda e um cinzeiro de cristal marrom) tinha uma mesa enorme, e passamos grande parte das tardes brincando embaixo, em cima e ao redor dela. No fim da tarde ela era palco pros lanchinhos, com café com leite, bengala e manteiga e paes de ló.
A porta da rua abria-se da casa, que ficava no andar de cima, por uma cordinha, e de lá só saímos para a padoca da esquina comprar pão, sorvetes de limão e alpino (ou figurinha - falavam que lá perto também tinha melhor fábrica de futebol de botão da cidade). No caminho às vezes cruzávamos com operários de macacão azul, sentados no chao depois do almoço e com o meu tio-avô jogando bilhar num barzinho.
De volta à casa, por fim, tinham os quartos, onde brincávamos de esconde-esconde e detetive, e pulávamos na cama de mola, brincávamos com o espelho da penteadeira e de noite víamos a luz dos ônibus barulhentos passando no teto, enquanto imitávamos os roncos.
No Natal comprávamos cerragem colorida, areia, e desembrulhávamos as imagens do presépio, e fazíamos o caminho dos três reis magos até a mangedoura desde o começo de dezembro (contávamos 25 passos, um pra cada dia)
Éramos muito felizes e sabíamos. Lá era sempre férias.
Lembro-me muito bem de tudo isso.
E não há distância ou saudades que me faça esquecer.
2 comentários:
sempre o túnel do tempo...
beijos
Eita, feco, esta foi dureza, hein. Pegou fundo. É isso aí, negão. Bica.
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