terça-feira, março 15

Água Branca

Quem me vê assim, andando na rua, não deve imaginar de onde vim. Não tenho bronzeado nem me visto como gringo, não tenho a malandragem de carioca, não tenho a calma do baiano, não tenho cabelo de gaúcho e não tenho sotaque de mineiro.

A falta de uma característica típica me leva um pouco para o lado dos paulistanos, que são um pouco sem cara mesmo, tem de tudo.Mas se formos pensar como paulistanos, não tenho as expressões nem o cantar da Moóca, não tenho o sofrimento no olhar de periferia tampouco. Não tenho estilo quatrocentão de Higienópolis ou dos Jardins, não tenho faccia de executivo da Berrini.

Mesmo já tendo morado na Cardoso de Almeida e estudado na PUC, acho que não tenho cara de Perdizes também. Quando vejo as senhoras arrumadas e seus filhos de uniforme, ou os adolescentes na PUC, não me assusto, é muito familiar, mas também não me identifico com isso, ainda me sinto estrangeiro.

Sou de um lugar que já não existe mais. Um pedaço de cidade de um máximo 5 quarteirões quadrados, mas que para mim é uma espécie de Rosebud. Não importa quão longe eu chegue ou tão longe eu vá. Mesmo se estiver nas cochinchinas da China, ou comendo carnes uruguaias, ou passando frio na Dinamarca, ou tentando arranhar um alemão em Stuttgart, sei que alguma hora terei que voltar para ver se minha casa ainda está de pé, ainda está lá, mesmo que sem a árvore, mesmo que desfigurada.

Posso participar de coisas um pouco vergonhosas ou muito importantes, mas dou um jeito de mudar a rota dos caminhos para passar por lá, para ver como vão as coisas. Para ver de onde vim, para não me esquecer de mim.
Talvez ninguém me entenda. Talvez só quem desceu a Germaine de bicicleta ou skate, quem comeu pastel na Costa Júnior (e sabia onde era casa que era do Sangirardi), quem comprou pão na Tanabi, quem cumprimentou o sonolento seu João, quem experimentou o picolé do seu Décio, quem conhecia as casas pelas referências das famílias que lá moravam (o delegado, a psicóloga, a Dona Valdira, etc.), quem já foi pedir a bola pra Dona Elídia jogar de volta, quem chupou chupeta na Melo Palheta.

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