terça-feira, fevereiro 17

Visão do Paraíso

Estou, entre outras coisas, relendo Visão do Paraíso, do Sérgio Buarque de Holanda (também conhecido como pai do Chico), o maior historiador brasileiro, e estou me deliciando como nunca. Isso também me fez lembrar de uma história muito bizarra (umas das muitas), que me aconteceu na França, na época do maior perrengue - e que é muito ilustrativa de como são os caras.
Pois bem, estava eu sem bolsa, pegando dinheiro emprestado com meio mundo, passando frio daqueles, morando em meio cubículo, comendo uma vez por dia, com puta saudade daqui. MAS, tava decidido que tudo isso ia ser compensador (como de qualquer forma acabou sendo), e que aquela experiência acadêmica ia me fazer diferença na vida, mesmo se pra isso tivesse que viver ilegal (o que estava pra acontecer).
Fui para uma aula especial do mestrado com a coordenadora de História do Instituto de Altos Estudos de América Latina da Sorbonne III (Madame Med., se não me engano). O tema era "Visões do Paraíso na América Latina".
A aula foi boa, ela falou de como os navegadores tinham uma visão da América Espanhola recém-descoberta, como o paraíso, e coisa e tal. Mostrou uns slides, não deu espaço pra perguntas (nem no final), passou a bibliografia da aula (só com autores franceses) e foi-se embora.
Bom, vi que alguns alunos falaram com ela no corredor e me senti à vontade pra perguntar a ela sobre se na próxima aula ela iria abordar também o aspecto da América portuguesa e da visão de seus "conquistadores", e se iria usar o "Visão do paraíso".
Ela me respondeu bem secamente que o enfoque dela não abarcava o Brasil (não estaríamos na América Latina, raios!!??). Mas, enfim, como ela era a bam-bam-bam da parada, resolvi insistir: A senhora conhece o livro do Sérgio Buarque?
E ela: quem?
Daí tentei fazer um sotaque francês: Sergiô Buarquê?
E ela: qui?
Daí falei com sotaque espanhol: SSérrrrrio Buarrque?
E ela: Non, je ne connais pas, Monsieur.
Então virou e foi-se embora.
Nesse dia voltei pra minha goma, a 3º abaixo de zero, levando a minha bike na mão e pensando se para quem pesquisava as relações de Brasil e França aquele lugar seria o mais indicado, já que a coordenadora de história do lugar tinha mostrado aquele interesse todo em Brasil.
Sempre que penso nisso concordo com minha decisão de pegar o máximo de documentos, encher minha mala com eles e vir-me embora correndo.
Sem arrependimentos, o que vivi lá foi ótimo (e continua me abrindo portas por aqui até hoje), mas serviu definitivamente para desbaratar aquela imagem de que lá é melhor. É nada.
Os mitos dos viajantes estudados por Sérgio é que estavam certos. Aqui, desde quando Adão viveu no Gênesis (em algum lugar entre o Amazonas e o São Francisco), é o paraíso na terra!
Apesar de tudo, aqui os médicos públicos não deduram os imigrantes ilegais (como na Itália do Berlusconi), nossas moças tem madeixas macias e perfumadas (e não ensebados como os das parisienses) e, principalmente, aqui não tem essa de navalhar mulher grávida só porque ela tá falando outra língua (como na tão civilizada Suíça).
Apesar de tudo, aqui é o Paraíso. Essa é a minha visão.

PS: A França merece, no entanto, todo pensamento positivo, axé e luz pra dois grandes camaradas que se casam/casaram por lá nesses dias: Y. e J. Beijos pros dois casais!! Parabéns!!

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