quinta-feira, dezembro 7

Café e amor

"Quando o apito da fábrica de tecidos vem ferir os meus ouvidos, eu me lembro de você"
Noël

Nasci e fui criado na Rua Melo Palheta, ruelinha no bairro da Água Branca, que carrega o nome do homem que trouxe a primeira muda de café para o Brasil.

A primeira lembrança que tenho do café é ver o meu avô colocando o nariz em cima do coador quando o café estava sendo passado na pia, e ele encostava a testa no armário dos pratos e fechava os olhos, só cheirando o café passando, se inebriendo na fumacinha.

Enquanto crescia me espichando na tabelinha que tinha no quintal de casa, meus pais e parentes, tios e agregados tomavam seu cafezinho nos domingos de tarde, finais de tarde e depois dos almoços. Mas aquilo nao significava muito pra mim até entao.

Foi quando, já na adolescência, comecei a tomar café com açúcar, depois que minha mae chegava de seu trabalho com o saco de paes quentes. Nestes fins de tarde, tomava um pouco de café, para acompanhar o pao quentinho que fazia a manteiga derreter, saciando minha fome das 18hs, quando assistia ao "Anos Incríveis". Associava Kevin Arnold e Winnie Cooper com a combinaçao de pao quente com manteiga e café com açúcar.

Depois de minhas primeiras desilusoes amorosas juvenis, com as meninas do colégio e com a minha incapacidade de nao repetir fora do meu quintal os jogos espetaculares que fazia na minha tabelinha, dediquei-me aos estudos pré-vestibulares e mais ainda, ao café, que me mantinha acordado nas aulas de cursinho noturno.

O método deu tao certo que passei nas faculdades que queria e o café se tornou o meu principal companheiro. Associava o amor que, eu com 17 anos, tinha por aulas abstratíssimas e complexas de 4 horas seguidas, em dois turnos seguidos por dia, com o café, que agora era expresso e duplo, e que tomava antes, nos intervalos e entre as faculdades. Para estudar os textos, ainda mais complexos que as aulas, nas manhas e madrugadas, como nao tinha máquina de expresso em casa, fazia eu mesmo o café, que tomava em canecas, com uma garrafa térmica amarela que me acompanhava onde eu fosse na minha casa...

Finalmente depois das faculdades, saí da Melo Palheta, a vida foi se recolocando nos eixos, e com os primeiros trabalhos a grana aumentou um pouquinho e fui descobrindo que a vida oferece outros prazeres e também outras bebidas. Virei o mundo, e numa passagenzinha breve que tinha tido numa louca viagem de comunidades hippies e carregando móveis em NY, também aprendi a degustar o café de rua, que era a maneira mais barata de me manter andando e conhecer a cidade apesar do graus negativos. Essa foi a fase café-andarilho de rua sem grana e abaixo de zero.

E assim nunca larguei o café. Retomei um pouco o meu amor pela dupla café-estudos agora no começo de meu período de mestradinho, mas como ganhava uma bolsa bem limitada, e como o café na França é extremamente caro e atraente (por ser ótimo e servido nos cafés mais charmosos que já vi), fui limitando minha taxa de cafeína diária, fazendo meus cafés em casa. Passei a tomar cafés solúveis e bem aguados.

Ainda nos mestradinhos e depois de sua chegada, o fato dela nao tomar café me fez também que diminuísse minha taxa de café ainda mais, e que ficasse acordado nao só por causa da cafeína. Lá encontrei algo que me animava mais para os estudos, para a vida, para tudo. E era ainda mais saboroso e cheirava ainda melhor do que qualquer café ou perfume francês, e além do mais me esquentava como eu precisava naquele frio humano e de temperatura.

Depois do tempo devido e suficiente, voltei para o querido Brasil (como se ter ido fosse necessário para voltar de vida mais vivida dividida pra lá e pra cá). Também voltei para ela, e depois de 3 anos, voltei a morar na casa dos meus pais (sim, a mesma cafeteira amarela estava lá). Apesar de todas as mudanças e incertezas, uma notícia curiosa aconteceu. Ela começou a trabalhar freneticamente numa das futuras maiores cadeias de café do Brasil (a mesma que me ensinou a andar no frio sem congelar).

Agora ela coordena a loja e virou barista! Sabe tudo de café! No pouco tempo que passamos juntos ela me dá dicas, informaçoes pertinentes do feitio da rubiácia.

E desde que cheguei eu fico sozinho na casa dos meus pais, e logo de manha encho aquela garrafa amarela, sentindo com calma o cheirinho da fumaça do café passando, e a cada gole penso na vida e nela, durante todo o dia.

Eu fico sem dormir até mais tarde. Faço café e amo desde manha.

Um comentário:

Desconjumina disse...

belo texto,
agora vai ter q repassar as dicas truton!!
senão vc tá ligado né???