Hoje foi mais um dia daqueles de filme aqui em Paris. Desde o começo da primavera, o tempo está cada vez melhor e fica tudo como primavera de filme: de repente você percebe árvores que nunca tinha notado, e elas ficam vistosas, com cores lindas, e os passarinhos cantam, e a grama fica verdinha, coisa linda. Ainda mais tenho ouvido uma rádio de jazz daqui (89.9) que é trilha perfeita pro mundo perfeito que isso aqui tá virando. Os estudos vao bem, a cidade tá linda e tudo tem dado certo.
Na frente da minha janela fica o parque Montsouris, um dos mais velhos de Paris, inspirado no modelo de parques ingleses, com alamedas, grutinhas - quase igual ao parque da Luz no início do século. Da janela posso acompanhar todo esplendor primaveril, as pessoas correndo, os velhinhos tomando sol nos bancos. Nesse parque tem também um super lago, onde no inverno os patinhos, cisnes e tartarugas dividiam o pouco espaço que nao tava congelado.
Na primavera, e com algumas obras no parque e na avenida que fica entre o Parque e minha janela, os patos do Parque migraram para os jardins da Fundaçao onde moro. Desde o fim do inverno eles nos fazem companhia, e volta e meia vejo um deles procurando qualquer poça para molhar-se um pouquinho.
Mas engraçado que nunca tinha parado pra notar o pato. Na verdade como bom paulistano-urbanóide vi poucos patos na minha vida, e ainda desse tipo, com colarinho, cabeça verde e corpo preto e branco (muito de desenho).
Mas apesar de tudo, de toda primavera do meu tempo aqui, as vezes bate uma saudade, ou um sentimento de nao pertencimento ao lugar, ao cenário todo, e hoje foi a primeira vez que notei isso.
Tava voltando de umas tarefas burocráticas (que faço nos intervalos de leitura, quando nao aguento mais a bunda quadrada da cadeira)-correio, banco, secretaria, e o pato que sempre está na minha janela passou pela minha frente, sem medo, sem apertar o passo, e fazendo quá-quá (mas bem baixinho), como se estivesse conversando sozinho, falando consigo mesmo..
Pela primeira vez notei que o pato era realmente um pato passando na minha frente, e nao era parte daquele cenário surreal para mim. Era um pato de verdade, voltando de seus afazeres, e cruzando comigo na rua, sem a menor cerimônia.
Entao eu parei, agachei e fiquei vendo aquele bicho, que rebolava, com pé laranja, bico grande. Mas nao fiz barulho, nao chamei, nao apertei o passo-só vagorosamente abaixei à distância, para vê-lo passar, notando as cores, suas penas, seu andar...
Foi daí que, depois dele passar por mim, parou, virou sua cabeça, e depois seu corpinho, e também de pouco a pouco, silenciosamente, veio se aproximando, olhando pra aquele cara de camiseta vermelha com foice e espada e chinelo. Ele me olhou, foi chegando perto, e mesmo depois de ver que nao iria sinalizar nenhuma comida, continuou me olhando, encarou, e acho que ele também me percebeu ali. Tanto eu como ele, estrangeiros (ele vem do parque da frente e eu do continente ao lado) e co-habitantes do mesmo lugar nessa linda primavera, nos notamos.
A partir daí, ele quase me sorriu (se pato sorrisse de canto, ele com certeza teria dado uma risadinha), virou de lado e continuou sem caminho, bem calmamente, e pela primeira vez senti o reconhecimento, a aceitaçao de um co-habitante e uma calma profunda. Acho que ele também.
Obs: as fotos-a de cima é o parque visto da minha janela, a de baixo é uma foto que fiz do dito cujo, depois do ocorrido. Parece que até ele fez pose pra foto. Já virou amigo.
Um comentário:
Esse é o modelo de pato mais bonito que existe: pato, que segundo o Vicente Matheus, é bicho aquático e gramático.
Amei o texto, pra variar.
beijos
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